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REORGANIZANDO EXPERIÊNCIAS


“(...) Trabalhei vinte anos lá, agora a empresa faliu, e eu, não consigo outro emprego, pois me dizem que sou velho para o mercado de trabalho..., estou mal, acho que é depressão (...)”. Essa é uma realidade atual e cruel, e convidamos você a refletir conosco sobre ela, para entendermos um pouco mais o que é ser velho aos quarenta anos, quando temos segundo a expectativa médica, um aumento cada vez maior da idade média de vida do homem; então pensemos. Apesar da negação da idade e não aceitação da velhice; do desejo da fonte de juventude, e do uso de toda tecnologia conhecida a favor de retardar o envelhecimento, viver longos anos implica em submenter-se a uma metamorfose que tem como característica o declínio biológico e psicossocial do indivíduo. Se você deseja abandonar a leitura saiba que é resistência ao assunto, então, continue lendo para superar-se e ficar mais informado. Desde o nascimento, estamos geneticamente programados para envelhecer, e com o envelhecer vem muito lentamente, assim, o desgaste do cérebro, bem como a diminuição intelectual e produtiva. Lenta e gradualmente. Se a pessoa for saudável, a partir dos setenta anos é que começamos a perceber esse desgaste, porém a pessoa poderá produzir enquanto tiver o desejo e a motivação para fazê-lo. Nesse mesmo cérebro existe um acúmulo de informações impressas que são fruto das experiências que essa pessoa viveu, dos fatos que presenciou, das perdas e dos ganhos proporcionado pelos “anos idos”, constituindo assim um universo rico, inigualável e único que muitas vezes compensam aquele referido desgaste. Nessa fase a pessoa já se despojou de muitas das ilusões escravizantes do mundo das aparências, bem como daquelas atitudes desastrosas tomadas pelo impulso. Mais centrado, mais disponível ao outro, mais experiente e mais sensível, tem muito a dar e ser um excelente profissional. Mesmo assim, não serve para trabalhar, bem antes de tornar-se um senil, porque há uma crença de que aos quarenta já não aprende, como uma limitação muito maior do que realmente ela é. Mas o que pesa mesmo ao idoso é que todo esse conteúdo que agora ele carrega não é considerado. Além de não ser valorizado, também existe contra ele, uma rejeição social e uma discriminação preconceituosa, que vem tornando as pessoas, velhas cada vez mais cedo.E provoca uma conseqüente diminuição da auto-estima das pessoas retirando-lhes o direito ao respeito e até mesmo induzindo-as à segregação social. Neste papel a participação da mídia é muito ativa, pois dita a moda emocional, usando escandalosamente a beleza e juventude dos adolescentes, que são produzidos, e induzidos para comportarem-se como mulheres e homens feitos, causando um efeito de rebaixamento da auto-estima dos outros jovens, fazendo uma pessoa aos vinte e cinco anos sentir-se velha ( e comprar um “kit rejuvenescimento”, é claro). Sabemos que o interesse comercial determina essa escolha, pois o adolescente e jovem será consumidor daquela marca por muitos anos, e o idoso não tem a ilusão de comprar etiquetas. Então ao idoso sobra na mídia o papel de ridículo, ou impotente e incapaz. O mais grave é quando o idoso também acredita nessa história, e acaba sentindo-se improdutivo, agravado ao fato de obrigatoriamente ter de parar de trabalhar. Sua aposentadoria lhe é imposta como um troféu, mas é na verdade sua condenação ao tédio e a uma piora geral: do poder aquisitivo, das influências sociais, repercutindo na queda da resistência imunológica, atrapalhando a qualidade da sua saúde. Acreditando que pouco tem a oferecer afasta-se e se isola. Alguns resolvem calar-se ou ensurdecer deliberadamente.(é melhor ser surdo do que ouvir certas coisas). Mas a reflexão vai além, porque o jovem de hoje está com um grave problema, o problema dos que ainda não são idosos: que é deparar-se com o idoso impulsionando dentro dele, jovem, pensamentos sobre sua própria velhice, e sobre o final da sua existência. Aqui reside o cerne da discriminação contra o idoso. O indivíduo que ignora, nega e distorce a velhice e a própria morte durante a vida, igualmente vai envelhecer e morrer, não adianta fugir, muito embora é essa fuga que produzirá uma velhice patológica, isto é, doentia. Você conhece um idoso que supervaloriza recordações de seu tempo e feitos do passado? Ou com dificuldades físicas e ou mentais? Ou ainda aqueles que estão esperando chegar seu último dia por isso estão sem perspectiva de futuro? Pois é. Isso também acontecerá com você, quando observar que suas chances já aconteceram, passaram e não há como reavê-las, e a angústia dessas perdas vai produzir uma velhice patológica levando-o assim ao tédio existencial, produzindo sua morte psicológica, ou seja, fechar-se em si mesmo, isolando-se do mundo, emudecendo diante da vida. Não queremos olhar para a velhice porque ignorá-la nos dá uma certa tranqüilidade, negamos nossa finitude como uma forma de minimizar a ansiedade que isso nos dá. Mas nós escolhemos e podemos escolher prepararmo-nos para envelhecer, reorganizando nossa existência, e optando por uma velhice saudável. Queremos lembrar que a velhice tem sua utilidade no decurso da vida, é natural aos seres vivos, e uma certeza para todos, bem como a nossa irmãzinha, a morte (S. F. Assis). A sociedade necessita estar mais saudável para não descontar seus medos e suas frustrações nos idosos. Eles, como todos os demais, merecem trabalho, admiração e respeito, requisitos fundamentais para uma existência cristã e digna. Faz-se necessário mudar esse comportamento tão preconceituoso com a certeza de que aos quarenta, oitenta ou mais, o que importa é o ânimo e entusiasmo, pois o homem é tão novo quanto seus sonhos, e tão velho quanto seu desânimo.

Matéria publicada no jornal dia 10 de novembro de 2004

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