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CELULAR EM ALTA CONTA


Desde quando foi inventado, o telefone tem sido em primeiro lugar sinônimo de status, e só depois vem exercendo, a função de tornar mais próximas as pessoas, resolvendo muito mais rapidamente os problemas cotidianos. Nos tempos atuais não poderia ser diferente. “A badalação do momento”, das mil formas, cores e sons, é o celular, sendo inclusive usado para vigiar, monitorar, rastrear (ou até mesmo invadir) os passos dos namorados, dos conjugues e dos filhos. Alguns adolescentes por conta da ansiedade dos pais sofrem controle exagerado através do excesso de ligações em seus aparelhos, estabelecendo nos mesmos sentimentos de persecutoriedade. Mas, na maioria, os adolescentes sabem como burlar essa guarda, ou desligando o celular ou mentindo. São eles que o comandam, e falarão quando quiserem, portanto a fantasia dos pais de que estão controlando um adolescente pelo celular, é uma idéia simplista. Ele está na fase de ousar ser diferente dos pais e da humanidade inteira, e tem capacidade para elaborar mil argumentos. Para resguardar sua saúde emocional e se proteger, usará mecanismos psicológicos de defesa. Estará assim construindo sua “intimidade” com seus segredos, e dependendo do vínculo estabelecido com os pais, do grau saudável de monitoramento, e das poucas “mentirinhas” que se fizerem necessárias, seu desenvolvimento transcorrerá sem maiores problemas. Só os excessos, invasões constantes do adulto, é que poderão trazer transtornos ao processo, tornando os relacionamentos problemáticos. Mas o adolescente está no auge da sociabilidade, falar com os amigos é com ele mesmo, e de alguma forma os pais sentem-se mais tranqüilos, dando-lhe o celular. Existe a possibilidade do filho encontrar-se sem saída, em apuros, e nessa hora, poderá contatar os pais imediatamente, restabelecendo a autoconfiança, o que é positivo. Lembre-se de combinar antecipadamente o quanto ele pode gastar nas ligações, pois o combinado não deixa dúvidas e nem conflitos. “– As crianças todas da classe já tinham”. Era uma choradeira dele, eu comprei, ele tem sete anos, mas... Refletindo sobre essa fase de idade, nesse período nós temos uma criança que ama três situações: a si mesma, as pessoas imediatamente ao seu redor, e o mundo que se configura para ela, desde que seja feito de algo “extraordinariamente interessante”. Aos seis sete anos, a criança tem certa sociabilidade, e já pratica tentativas de reconhecimento da identidade pessoal. Mas a nossa cultura se contrapõe à formação da identidade pessoal, pois dissemina entre todos uma educação de massa, ditando uma mesma maneira de pensar, os mesmos tipos de motivações (ex. febre de celular), massacrando-nos para que tenhamos todos uma mesma “forma”. O negócio “da hora” entre os pequenos é ficar por dentro ou igual, e no caso em questão, ao grupo dos que têm celulares, como uma brincadeira, isto é, como uma motivação “extraordinariamente interessante”. -“ Poderia ser a lancheira da Mônica ou o livro do Sítio do Pica-pau Amarelo?” Sim, mas com certeza quem apresenta o mundo à criança, e o configura com todos esses valores, são os adultos imediatamente ao seu redor. Ela sabe que a mãe (do exemplo) vê valor nesse objeto, por isso pede um para si. É com os adultos próximos que ela aprende, e esses adultos, infelizmente, também estão na “forma”. Com a sociabilização menos desenvolvida que a do adolescente, a criança de seis anos ainda não sente tanto prazer por falar horas ao telefone, pois adora mesmo exercitar o corpo, correndo, pulando, andando de bicicleta e outros. Está aprendendo as normas simples, e depois, copiando os exemplos dos adultos e amadurecendo, ela terá condições para formular alguma norma para si mesma. Portanto essa choradeira que a mãe do exemplo relatou, tem a ver com mimo e chantagem, do tipo: “eu quero”. (Todos os meus amiguinhos já tem, sua malvada!) Ela quer o brinquedo que lhe é mais prazeroso, sem distinguir se é uma boa norma para si. E também sem distinguir, você, mãe, para provar que é boa, dá. “- Mas, e se ela quiser falar com a gente enquanto estiver na escola, não ajuda como aos adolescentes?” Você confia nos adultos dessa escola? Se necessário na adversidade, você tem os telefones da escola que também tem os seus, previamente deixados lá por você? A criança é autorizada a sair sozinha? Só lembrando, os pais devem adotar atitudes que reforcem a progressiva confiança e independência da criança.Se você confia, ela deve confiar nos adultos dessa escola também. O ambiente precisa ser seguro para desenvolver sua autoconfiança. Perceba que esse não é um bom argumento para dar-lhe um celular. “- Mas, e se estiver com saudade da mamãe, e quiser dar um simples alô?”. Quando ela nasceu o médico cortou o cordão que as unia, e nesse momento, ambas, mãe e criança, sentiram a dor da perda e da separação. Isso é uma fonte inesgotável da angústia humana, que se repetirá em muitas etapas da vida das duas. Só que aqui neste caso, estamos falando da angústia da mãe em separar-se da criança, não é a da criança que necessita viver a vida dela, e ir à escola sem os pais é parte da vida. Resta-nos falar da influência da massa, onde todos têm, e como lido com a minha criança sem ter. Kierkegaard, no ano de 1840, diz: “O homem seria mais bem realizado na medida em que aprendesse a livrar-se a si mesmo da tirania do ambiente”. Viu como isso é velho? Estar ao lado da criança não significa satisfazê-la no que ela quer, mas refletir no por quê ela quer. Caso contrário é deixar que se arruíne e perca–se de si mesma. Concluindo a prosa, pense: tem mesmo bons motivos para dar um ceular? Saia da forma Artigo publicado no jornal dia 10 de setembro de 2005

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