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TERCEIRA IDADE - MARAVILHOSAS MÃOS


A mão é ação: ela pega, ela cria e por vezes, poderíamos dizer que ela pensa” (Focillon). Quando eu era criança, havia um livro escolar que contava a história de uma mãe bondosa, porém suas mãos eram muito feias. Seu filho a amava, mas tinha vergonha das mãos enrugadas da mãe e por conta disso, a ocultava dos amigos. Até que um dia, já adolescente, perguntou-lhe o porque daquelas mãos tão feias. A mãe o olhou, abaixou a cabeça e calou-se. Fez-se silêncio. O pai, tudo assistia e resolveu intervir: - “Você era recém nascido, uma vela acesa caiu e incendiou o seu bercinho Sua mãe ainda acamada, fraca e sozinha, reuniu suas forças e apagou o fogo que estava prestes a lhe queimar, com as suas próprias mãos, que ficaram bastante feridas”... Já percebeu leitor, que nossas mãos são o nosso reflexo, e que determinadas pessoas se expressam muito melhor com as mãos do que com as palavras? Os italianos, por exemplo, dizem que se a conversa é boa, atravessam o oceano a nado e chegam em Roma, com tantas gesticulações acompanhando a fala. Apontamos o dedo indicador cerramos o punho, utilizamos as mãos para acusar corrigir, defender; sublimemente utilizamos as mãos para criar, acariciar, afagar, enviar um beijo, dizendo muito mais claramente com elas, eu te amo. São gestos significativos que mostram a intencionalidade ou funcionalidade, desde quando dela se retira o provento ou até quando se salva o bebê no berço. (Neste momento, são minhas mãos que digitam um texto sobre o que penso.) Fascinante é que utilizar as mãos se correlaciona a utilizar bastante o cérebro. Sabemos que o cérebro dedica uma fatia maior para fazer funcionar as mãos em relação às demais áreas do corpo, devido a quantidade de atividades que com ela exercemos. Vamos falar da importância de uma outra área no cérebro em especial, chamada “sensorium motorium”, que também ativamos quando utilizamos as mãos. Essa área entra em cena porque para se conceber uma idéia, um projeto (criação original ou cópia) há uma necessidade da “representação mental” do ato a ser realizado, quando então haverá uma sucessão de gestos para a sua execução. Por exemplo, se você quer fazer um bico de crochê num pano de prato, necessita representar na sua mente aquele determinado tipo de trabalho, e deve saber mentalmente todos os passos para executa-lo. Esse é o papel do sensórium motorium. Será necessário entrar em cena a memória de longo prazo, pois essa é a que permite a aprendizagem. As informações armazenadas para execução do trabalho vão depender de se fixarem, mas vão ou não se fixar de forma variável, e varia em função de duas situações: da situação emocional em primeiro lugar, e depois do quanto houver de repetição. Continuando o exemplo, se você gostou muito do biquinho, vai observar a forma de execução e faze-lo várias vezes com atenção maior do que os serviços que gostou menos. Percebe-se que esse normalmente não é o foco de atenção dos homens, que preferem mais áreas de marcenaria, elétrica, mecânica etc. Como a emoção deles está nessas atividades, não prestarão atenção ao crochê. Eles não utilizarão aqui no exemplo, o que todos temos a nosso favor para essas situações de querer aprender, que é a memória de curto prazo, permitindo a reprodução imediata num tempo de permanência muito breve. No desfecho do exemplo, você chega até em casa com o que viu “na cabeça”, em seguida pega sua agulha para reproduzi-lo. Quem lhe ajudou lembrar foi a memória de curto prazo. Depois que você passou para a outra memória, a longa, aí sim, poderá apagar a forma de fazer o crochê, automaticamente, da memória de curto prazo. Então, atenção leitor – se você pensa que sua memória anda falhando, veja lá se não é seu grau de interesse sobre o assunto que o faz colocar menos atenção em um determinado foco e, por conseqüência levará menos informações para a memória de longo prazo e lembrando menos. O adolescente que pensa mais na namorada que nos estudos, a criança que gosta mais de brincar do que de ler, são algumas situações. Segundo Jung, a arte não é apenas uma forma de sublimação, mas contribui para o processo de crescimento individual. O sentido terapêutico da arte é quase tão antigo quanto o próprio homem. O homem pré-histórico representava com as mãos os seus medos de grandes animais, e dos fenômenos naturais que eram mais fortes do que ele. Na Grécia antiga já havia música para acalmar. Tudo isso para dizer que usar as mãos, experimentar novos trabalhos, é percorrer desafios, é receber estímulos novos, é sair da zona de conforto do cérebro que se obriga a aprender; é ter planejamento estratégico, é deixar que conteúdos inconscientes venham à consciência, é criar maior resistência contra algumas doenças, como depressão, mal de Alzheimer, diminuição de estresse, tristeza, raiva e nervosismo, Se a atividade manual estiver sendo feita em grupo, melhor, pois estará sendo trabalhada também a sociabilidade, a aceitação das diferenças, o preenchimento do vazio da solidão, o incentivo ao bom humor, a troca solidária de informações. E quando a arte for concluída, o prazer de ver o resultado dos esforços das suas próprias mãos, do início até o fim, o elogio de outras pessoas, produz uma euforia elevando a produção de serotonina no cérebro, melhorando a auto-estima e conseqüentemente aumentando a resistência imunológica da pessoa trazendo-lhe mais saúde física e emocional. A elaboração de um produto é uma maneira da pessoa se revelar, e quanto mais sofisticados os produtos, maiores são as dimensões dessa pessoa (social, pessoal, espiritual). Veja leitor, que não são necessários “grandes produções executivas estressantes” para ativar adequadamente o sensorium motorium, situações naturais e aparentemente simples também o fazem. Mexer com as mãos melhora seu autoconhecimento e, conseqüentemente, sua relação com o mundo. Não é para velhos ou desocupados, mas é para qualquer idade, para todo indivíduo que deseja qualidade de vida. Vença o preconceito, usar as mãos é para inteligentes, portanto, coloque “as mãos na massa” e valorize as pessoas que fazem à mão. Eu vou me dirigir em especial à você leitor, que tem nas suas mãos a marca dos “tempos idos”, com dedos calejados, retorcidos e mais lentos, enfim, aquelas lindas mãos de quem já fez muito: parabéns pelas suas múltiplas dimensões já alcançadas, esse é o caminho. Avance! Matéria publicada no jornal dia 10 de maio de 2006

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