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COMPORTAMENTO - A RACIONALIZAÇÃO DO MEDO (


Se procurarmos uma definição, medo é um estado mental passageiro que implica em tomar conhecimento de algo perturbador, ou perigoso, podendo refletir-se em aspectos até involuntários de comportamento. Isso faz as pessoas mediante situações de perigo ou susto, reagirem de maneira inesperada. É um padrão básico de resposta animal, uma emoção primária, e traz o desejo de afastamento daquilo que o provocou. Por exemplo, soubemos por experiência própria um dia, que fogo queima, e não necessitamos mais dessa experiência, fogo é sempre fogo e sempre queima. Vivenciamos uma situação real, e como resultado dela, daí pra frente, sabemos evita-la.

Pode parecer bobagem para a maioria, mas muitas pessoas têm medo das situações mais corriqueiras e banais do dia a dia, pois lhes trazem angústia e sofrimento. Já pensou, leitor, ter medo de andar de carro, ônibus, metrô, e morar numa cidade como São Paulo? Ou medo de levar um filho ao circo, ao shopping... Do escuro. Não suportar a idéia de andar de avião, ou se desesperar com uma aranha ou um rato no quintal?

O sujeito não precisa ter todos esses medos, um já é suficiente para sofrer de montão, e prejudicar completamente sua qualidade de vida, pois limita - ou até impede - o direito dele de ir e vir. Vamos entender o que se passa, a partir de um discurso bem comum:

“Eu sei que acidente de avião não deixa sobreviventes, se acontecer comigo, lá em cima eu não terei nenhuma saída, a minha ansiedade não me deixará ficar lá, sem nenhuma alternativa para lançar mão. Eu sei também que você está querendo que eu acredite que avião é seguro, não cai, mas..., não entro num nem por dinheiro!”

Tudo o que está descrito acima é verdade, não é?

Percebemos aqui que a razão e a racionalização se confundem, pois estão muito próximas.

Ele racionaliza quando aproveita uma situação que é verdadeira – avião às vezes cai - e acaba por fixar uma outra situação em cima dela, que é fruto do pensamento ilusório, da sua imaginação - cai sempre se for comigo-. A realidade fica então camuflada pela imaginação, e ele passa a acredita na camuflagem. A sensação de medo busca afastar do “mal”, como já vimos de início. Esse mal agora tem forma, é um objeto ou situação bem definido e conhecido pelo sujeito, mas que, por si só, não possui a capacidade de gerar tanto medo em todas as pessoas, como no caso do fogo. Carro, avião, circo, população aglomerada, aranha, abelha, etc. ocupam seus papéis dentro do contexto em que vivemos e com os quais deveríamos poder saber lidar, assim como com o fogo, sem maiores complicações. Porque alguns não conseguem?

Lembrando de C. Gustav Jung, que nos diz: “Toda doença é, em última instância, uma tentativa de auto cura, fracassada, do organismo”.

Em outras palavras, essa fobia é uma forma inconsciente de expressar uma angústia interna, coisas do inconsciente, num objeto eleito externamente, o avião no nosso exemplo, que não tem nada com isso, mas “pagará o pato”. Por ser próprio ao psiquismo da pessoa, o seu sistema auto-regulador quer restaurar o equilíbrio, elegendo um objeto do lado de fora dele, para que o sujeito tenha como lutar (o carro, rato, multidão). Como já vimos, conseguimos lutar melhor com o real que vem de fora e que vemos.

Aí encontramos o discurso racionalizado acima, tornando o sujeito uma pessoa ridícula aos olhos do leigo, demonstrando comportamentos infantis. Como um ser tão inteligente, forte e ardiloso como um homem ou mulher pode ter medo descomunal de uma aranha, ou de uma barata, simples e pequenos insetos? Então você leitor, deve estar querendo me perguntar agora: -“Mas, o que gerou esse transtorno, esse medo todo?

Um mecanismo chamado onipotência, que diz ao sujeito que ele deve ser perfeito, e que as outras pessoas não são como ele.

Se ele é perfeito, como poderá abandonar-se nas mãos de outra que não é. Se ele é perfeito e não sabe pilotar avião, quem disse que o camarada que está “fantasiado” de comandante sabe pilotar um avião! Ou que o camarada é responsável a ponto de fazer tudo direito. Se ele que é ele não sabe, ninguém mais sabe, não pelo menos com a mesma responsabilidade. E assim, sucessivamente, vai se colocando no lugar do piloto, do motorista, de outros, pensando na falta de possibilidades de manter o comando (lembre que ele não via alternativas por não saber fazer), e começa a passar mal, com aceleração dos batimentos cardíacos, sudorese, outras dores, instalando o pânico, medo da morte iminente e com um discurso agora “irracional” para quem ouve, na simples menção de viajar, sem mesmo entrar num avião ou estar no aeroporto.

Quando a pessoa onipotente tem medo inconscientemente de não dar conta de seus instintos de agressividade ou sexual, acaba projetando essa angústia para esses objetos, sempre associados a uma razão de lógica, que passa a ser incontestável.

Bem, o que fazer num quadro como esse?

Conscientizar o indivíduo, para que ele entenda que a “onipotência é a razão do débil”, pois o mecanismo não deixa a pessoa aceitar a sua impossibilidade, a sua limitação humana. A pessoa deverá entender que ser realmente potente é saber que as coisas não acontecem como nos contos de fada. A vida se apresenta para ser vivida, com seus percalços, reveses e surpresas. E a força de cada um é relativa, às vezes nada podemos, outras pessoas podem mais, e vice-versa. Ao contrário de sentir fraqueza e medo de errar, se sentirá forte, pois dividirá os fardos, diminuindo os medos. Quanto às questões geradoras da angústia, isto é, o medo de não controlar o instinto sexual e de agressividade, bem, esse é um capítulo à parte que deve ser tratado por especialista, por serem produtos do inconsciente, merecendo técnica apropriada, e demanda algum tempo para normalizar.

Como profilaxia a sugestão é que cada um se conscientize da própria onipotência. Repense a sua, seu grau de exigência, os conflitos com aqueles que erram por perto, a rigidez em não se perdoar dos próprios erros. Atenção pense na sua não na dos outros. Você vai descobrir que ela é mais presente do que se possa imaginar.

Matéria publicada no jornal dia 10 de junho de 2006

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