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EDUCAÇÃO INFANTIL - INÍCIO DE UM LONGO CAMINHO


Diálogo entre Márcia (quatro anos) e sua mãe, a caminho da escola. - Mamãe, o que tem na escola? - Ah! Tem muitos brinquedos, amiguinhos, areia, a tia... É muito bom, você vai aprender coisas novas. É como na nossa casa! Pensamento... . “Vou escolher a minha boneca Emília para levar no colo, quero brincar com a Julia (prima de primeiro grau), vou pedir para minha tia (mãe da Julia) fazer brigadeiro junto com a minha mãe, enquanto a gente brinca na areia para aprender”. - Mamãe porque tenho que ir com essa roupinha? - Todas as crianças estarão vestidas assim lá na escola. - Você comprou uma roupa dessa para o Gabriel? - Não meu bem, seu irmão é muito pequeno ainda. No portão da escola: Pensamento... “Ué! Não parece minha casa!”. “Quanta gente! Não consigo ver os meus amiguinhos... Parece que não chegaram ainda...” - Mamãe, cadê meus amiguinhos? - Estão na sala de aula, nós iremos para lá, calma Márcia. Pensamento... “Bom, se a Julia não chegou, eu vou ficar na sala vendo TV, esperando ela com a Emília no colo”. Na sala de aula: Pensamento... “Que é isso? Que gente é essa? Eu não gosto da nada disso... Estou com dor de barriga, e a comida está subindo, dói... Estou com formigas mordendo minhas pernas...” - Mamãe, meu coração está batendo, acho que vou morrer, quero ir embora, me leva daqui, você volta depois , mas eu quero ficar em casa. - Querida você vai ficar, a mamãe é que vai embora, e vem buscar você depois. Pensamento... “O quê?... Ela quer se livrar de mim, ela não me quer mais, nunca mais verei a mamãe, estou sozinha no meio do mundo, não vou mais para a minha casa, ela me enganou...” - Naãooo, socooorrooo (lágrimas), quero ir com você, eu te amo, não me deixe aqui nesse lugar... Serei boazinha, prometo... (Salva-me).” A mãe se afastando... - Logo eu volto Marcinha, espere a mamãe, eu venho te buscar. Pânico. - Mamaãee, mamaãee! Não! O vazio, a morte, a ruptura. A professora se aproxima e pega na mão da Márcia: - Sua mãe virá buscar você daqui a pouquinho, venha conhecer seus novos amiguinhos, venha com a tia Clara. Eu quero a minha mamãe (engole a lágrima) mamãe... Ma... ...

O desenvolvimento humano é marcado pela evolução simultânea de inúmeros processos fundamentais. Ir à escola aprender são alguns deles. Bem como se separar física e psicologicamente da mãe, para começar a exercer a sua autonomia e iniciar o processo de formação da individualidade. Aos quatro anos Marcinha é altamente fantasiosa e mágica, conferindo vida, movimento, alma, vontade e poder a todas as coisas do universo. Em sua compreensão, o tempo e o espaço são dimensões bem diferentes daquela compreendida pelo adulto. Deixá-la por algumas horas entre estranhos poderá ser entendido como “ser abandonada para sempre”. Estando fora do alcance visual de Marcinha, sua interpretação, é a de que a mãe está muito longe dela, “sumiu”; a insegurança domina sua emoção, o medo toma conta de seus pensamentos e uma forte angústia é sentida, desconectando-a do mundo real e dando-lhe a sensação de morte, pois acredita que nunca mais verá essa mãe, sem a qual não conseguirá viver. Devemos considerar que a mãe é fonte de satisfação dos desejos, de alegria e vida (Eros), e que sem a mãe, deverá curvar-se à morte (Tânatos). Aparece nesse momento o sentimento de culpa (por aquelas vezes que sentiu raiva da mãe, quando não teve algum dos seus desejos satisfeito), caindo sua auto-estima por julgar-se abandonada por ter sido má para essa mãe, e para confundir-se ainda mais, surge o sentimento ambíguo de amor e ódio( ao mesmo tempo ) em relação à mãe. Portanto, quando ela chora, não é para menos! Encontramos alguns casos antigos onde passar por esse “simples” processo acarretou um trauma na vida da criança, refletindo no seu comportamento adulto. Faz-se necessário lembrar sempre que ao falar com uma criança, ela interpretará o mundo segundo suas possibilidades, portanto escolha as palavras mais adequadas, para que ela consiga chegar o mais próximo possível da verdade que você quer passar a ela. Hoje as escolas propiciam uma adaptação mais gradual, onde a mãe permanece por mais tempo nesse novo ambiente demonstrando-lhe que pode confiar, e nada vai mudar na relação delas, e sim lhe acrescentar amiguinhos e situações interessantes de aprendizado. Cabe aos pais (ou figuras parentais) a tarefa de ajudar os filhos na superação de seus próprios limites, neste e demais processos, dando-lhe segurança e afeto, para que se desenvolva com a certeza de que é amada e tenha sua auto-estima preservada. Lembre-se, você também passou por essa etapa, tenha paciência e atenção com sua criança, converse e a compreenda, pois ela esta sofrendo, e isso é sério. Permita que seja um momento de crescimento e descobertas nesse longo caminho rumo a um amadurecimento emocional gradativo, para dar-lhe a certeza de que poderá ter sucesso nesta e nas demais etapas que surgirão na sua construção como sujeito. Um saudável início de aula, para todas as Marcinhas e Marcinhos.

Matéria publicada no jornal 10 de fevereiro de 2006

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