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DELINQUÊNCIA - FILHO DE PEIXE QUE NÃO NASCEU PEIXINHO


Filho de peixe que não nasceu peixinho...

O caso recente da desgraça que se abateu sobre o nosso maior ídolo em todos os tempos, inspira-nos a refletir mais uma vez sobre a educação das crianças dentro do contexto capitalista vigente que trás consigo uma metáfora fundamentada na idéia de consumo como meio de obtenção de prazer e satisfação imediata. E a pessoa, nessa situação, necessita de ”muito ter” para “poder ser”. Sabedores disso, os pais sufocam o filho com atividades para competir no mercado de trabalho. Aquilo que alguém diz que irá trazer chance ao filho de ter mais no futuro, os pais elegem e impõe ainda na tenra infância como necessidade primordial. E o filho, sem tempo para brincar, pensar e sentir, além das disciplinas e esportes conhecidos tem de enfrentar os “diferenciais para o sucesso”, como: método japonês das contas repetitivas de matemática, os jogos da informática, as línguas estrangeiras do século XXI, e outras atividades incluindo os intercâmbios culturais, os cursos de formação e pós-graduação fora do País. Tudo para aumentar-lhe a competitividade. Convencidos de que quanto mais melhor, os pais também se esforçam para ganhar e consumir mais, comprando produtos para a formação do filho, escolas caras, dedicando inclusive grande parte do próprio tempo às atividades mais lucrativas. É como se essas ofertas de produto pudessem formar o filho que eles não acreditam ter tempo ou competência para formar. Falta assim a relação, a interação. E o diálogo? Ah! Esse foi substituído pelo monólogo da televisão. Não dá para falar porque é o jogo, o jornal ou a novela. As visitas são mal vistas, pois atrapalham essa diversão solitária e bem estar individual. O filho tem seus afazeres, e conversar é desnecessário, mas a ele é dado o direito de sentir desejo, então opina sobre o que não gosta e sobre o que quer fazer, escolhe, e nem sempre está amadurecido para saber escolher sensatamente, permanecendo imaturo e frágil, com pouca tolerância às frustrações da vida. Sem força para o contradizer, os pais de outro lado mandam um recado ao filho com muita força: que escolha segundo seu desejo, mas eles, em contrapartida, querem um grande retorno desse filho.Vão cobrar um “preço alto” por todo esse investimento, querendo o sucesso do filho nas diferentes áreas, profissional e pessoal. Existe um apelo à ascensão social que vai caracterizar-se pelo poder de compra da pessoa, e há necessidade de um sucesso a todo custo, profissional e ou econômica. O pai quer status para o filho. Por outro lado, paralelo a esse fenômeno, psicologicamente ocorre uma despersonificação e uma generalização no filho, produzindo uma massificação (todos iguais), no lugar do que deveria aparecer um indivíduo. Os pais esquecem que o profissional não existe sem uma pessoa bem desenvolvida antes. Com tanta informação recebida, o jovem é capaz de fazer críticas, embora tenha um enorme buraco na formação, um esvaziamento ideológico e ético. Ele sabe que precisa ter um desempenho à altura das elevadas exigências e expectativas dos pais, abdicar de ser ele mesmo, de sua individualidade e ingressar no padrão social. Agora não dá mais para pensar ser ele mesmo. Mas falta algo, está frágil psicologicamente, e sabe também que pode não conseguir ingressar nesse padrão, sendo um grande gerador de angústia. Então critica o que não deu certo. Lembro-me do filho de peixe aqui do exemplo, com um pai sempre em viagem, a mãe com seus afazeres sociais, e inferindo, digo que sua babá não detinha poder (diferente de saber) para iniciá-lo nas questões éticas e ideológicas, muito menos o poder de dizer não. Mimado como filho de um rei que tudo tem e pode, estudado no exterior, decidiu imitar os passos do pai. Não deu... Fracassou. E não está acostumado aos desprazeres, lembram? Agora precisa posicionar-se cada vez mais distante do modelo que seguiu, deixá-lo para trás, até ficar indiferente a ele, mantendo-se a margem desse sistema, por considerar-se impotente diante de suas exigências. Necessita adotar uma postura alternativa para mascarar seu sofrimento pelo fracasso. A decepção é dele que se julgava ser tanto, e percebeu que nada é. Ele que pensava ter, como vai ser? A situação é insustentável e, para não entrar na depressão e no caminho da realidade, despreza todos esses conceitos antigos, buscando outros que lhe devolverão o prazer, mesmo que seja no caminho da fantasia. Na fantasia ele se realiza, mas na vida real só poderemos chamar a isso de atraso ou marginalidade. Agora fica mais fácil juntar as peças do quebra-cabeça. A droga conduz a pessoa ao prazer imediato, anestesiando a dor da existência, e do fracasso, ao mesmo tempo propiciando a fantasia que desejar. Com raras exceções, a maioria dos consumidores de drogas, trafica por ter a convicção de que aquilo é bom, “um barato”. Como traficante, ele não vende o seu produto ao usuário, pois já dizia William Burroughs (1959), ele vende o usuário ao seu produto. Ele não se preocupa em aperfeiçoar e simplificar sua mercadoria, mas apenas degrada e simplifica seu cliente. Ele alcançou uma garantia de obtenção de prazer, e uma proteção muito boa contra o desprazer. É isso que o dinheiro obtido lhe promete: sucesso e reconhecimento, pelo menos em seu novo meio. Podemos criticar o sistema, mas só queremos refletir sobre os fatos. Refletir se nós, acreditando nas escolhas “ditas saudáveis”, não estamos exagerando nossos valores consumistas, estéreis, que induzem à competição e massificação de nossos filhos, sem medida. E se em nome do descanso merecido estaremos nos ausentando da educação e do diálogo com eles. Podemos retirar algo de bom de uma história ruim, desde que saibamos valorizar a relação com os filhos, lidar com suas derrotas, com os fracassos, e ajudá-los a entender a dor da frustração bem como superá-la. Mas para isso você precisa pensar diferente dos pais do exemplo.

Matéria publicada no jornal dia 19 de agosto de 2005

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