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UM DOS IMPEDITIVOS PARA A CURA



“As vezes eu falo com a vida, as vezes é ela quem diz, qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz” “ O Rappa”


A filha mais velha de Antonia me procura a mando do médico, Aflita, ansiosa e cansada, a moça me conta um pouco da história. Antonia tem quatro filhos, casados, e que se preocupam muito com ela. Não é para menos, ela já fez muitas doenças, e quase todo mês necessita de algum tipo de cuidado médico.

Elencando as doenças, ela já fez pressão alta, diabetes, pedra nos rins, retirada do útero, hérnia de hiato, pneumonia, crises de ansiedade, insônia. Ela passou muito mal dizendo que estava cardíaca, e os exames específicos mostraram que está tudo certo nessa área. Então sentiu muitas dores abdominais, vários exames novamente e estava tudo normal .Acreditou então ter uma brava infecção vaginal e que não poderia mais se relacionar sexualmente com o esposo. Mas os exames foram negativos para infecção. O médico após tanto vasculhar suas pseudo doenças, diagnosticou depressão. A moça relata ainda que a família não tem muitos recursos e empenha tudo o que pode financeiramente na caçada das dores da mãe. E que atualmente as filhas provocam situações de passeios, saídas e almoços, porém, precisam quase implorar para que Antonia participe. E que alguns dias ela não quer sair da cama.

O que fazer?

Atendendo Antonia semanalmente, pesquiso sua vida que contada por ela, mostra o que pensa sobre si, e os conceitos e preconceitos que faz de mundo. Pergunto sobre muitas situações, desde infância, maturidade, casamento maternidade; detalhes e conversas que duraram por vários encontros.

Ela era assim antes:

Uma guerreira, trabalhadora, lavava roupa para fora, fazia bolos de aniversário, trabalhou em faxina nas casas, e criou os filhos na limpeza, revisando suas lições escolares. Tudo o que fazia era para aumentar os ganhos do marido,e porque os gastos eram muitos. Os filhos tomaram seus rumos, uns com nível superior, outros nível médio, abraçaram a vida e seguiram em frente.

Aí me vem a grande pergunta: o que fez com que uma mulher tão determinada, lutadora e forte se transformasse depois disso num depósito de dores?

Como uma pessoa que criou bem os filhos, que teve energia para suprir as necessidades que o pai sozinho não conseguia, poderia agora viver a custa de tantos remédios?

Numa das consultas percebi o medo. Era grande, o associei ao” ninho vazio” (ausência de filhos na casa) e começamos nossa viagem ao centro do seu universo de dor psíquica. Ela mesma não conseguia interpretar seus sentimentos, claro, e por isso estava ali, para que eu fizesse isso por ela. Conseguimos decodificar e substituir o tal medo por - medo do abandono e medo de, e desamparo e perda de função, improdutiva. Essas situações ela conseguiu reconhecer como suas, e então as conversas começaram a fluir com melhores lembranças e mais conteúdos.

Sentindo-se perder forças pela idade, vendo a família se distanciando cada vez mais dela, seu nervosismo( interno) foi atuando no sentido de querer permanecer no controle. E cada vez que ela adoeceu, teve todos o tempo todo, preocupados, à sua volta. Isso preencheu sua solidão. Mas ao perceber tanto desgaste da família, de outro lado, sentia como uma culpa velada por dar tanto trabalho. Mas lá no” quintal” do inconsciente ela sabia que não estava correto, e sentia certo mal estar, do tipo fazendo algo que Deus não aprova.

E daí para a frente foram inúmeras doenças, e o tempo todo, a família continuava a se mobilizar. Ela tinha concomitantemente uma dor e um gozo; dor com a presença da doença e gozo com o paparico da família. E fez todas as doenças que pode, porque doença é para quem pode e não para quem quer. O determinador será o emocional .Embora pararam as somatizações, o emocional de Antonia não queria sarar e quando não conseguia mais fazer doenças fíisicas, as imaginou, e sem conseguir a constatação das mesmas, sem poder criar outras, deprimiu. Quero fazer ficar claro que tudo isso aconteceu no inconsciente, isto é, ela mesma não tinha (cons) ciência.

A esse misto de doença e dor, e do alívio provocado por uma atenção especial dando a sensação de controle da situação, damos o nome de GANHO SECUNDÁRIO da doença, onde a cura se fará difíicil, a não ser que seja para dar espaço à novas doenças. Esse ganho tem influência direta no efeito menor dos remédios e na rebeldia do paciente quanto as dietas, restrições, pensamentos positivos de cura, etc.

Vários tipos de ganhos secundários podem ocorrer,tais como, inapto ao trabalho, irresponsabilidades, ficar no ócio ou inércia por conta da doença, receber honorários, pensões e outras ajudas,e principalmente receber afeto minimizando a solidão.

E agora?

O tabalho do psicólogo entre outras emoções e situações, será o de melhorar a depressão e colaborar para Antonia entender aos 78 anos o que ela fez consigo mesma. Como teceu essa teia e como está enredada nela. Será que você leitor, que tem uma doença do tipo crônica, ou sempre está adoecendo, tem algum ganho secundário assim como nossa personagem? Mas o trabalho a ser desenvolvido é uma outra história que terá de ficar para uma próxima vez.

“Qualquer semelhança com a realidade será puro acaso, isto é uma ficção.”

Matéria publicada no jornal em 10/08/2015.


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