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A CAIXA DO VAZIO


“Aproveite bem as pequenas coisas, pois algum dia você vai saber que elas eram grandes.” Robert Brault

Andava eu pela Marginal do rio Tietê em meio a um trânsito intenso quando me ocorreu um pensamento: o que nós humanos estamos fazendo de tão especial para que se corra tanto todos os dias o tempo todo. Parece que precisamos chegar ontem seja lá onde for. Então, lembrei-me de dois vídeos curtos que veicularam na mídia nesses tempos: de um Padre e de um Pastor.

-O Padre Fabio de Melo contando sobre a utilidade das pessoas, onde amar uma pessoa seria estar junto mesmo quando a pessoa já não é mais produtiva, útil. Amar alguém apesar da sua inutilidade. Então ali na margina a grosso modo,lpossivelmente todos ali eram muito úteis.

-O Pastor Claudio Duarte enumerando as possíveis “caixas” nas cabeças dos homens, onde a caixa do refúgio denominou como caixa do vazio, isto é, nada o perturba nem o distrai quando está nesse isolamento. Então poderíamos dizer que é a” caixa do inútil”.

Agora pergunto a você, por que temos tanta necessidade em sermos ou nos sentirmos úteis ? E por que queremos nos sentir úteis o tempo todo?

Certa vez uma senhora me contou que fazia todo o serviço com esmero e sobrava as vezes um tempinho, que ela aproveitava para deitar no sofá. Mas assim que o esposo chegava, ela saia correndo para a cosinha e pegava algo para simular ainda trabalhando de vergonha que a tachasse de inútil. Precisava produzir sempre.

Na mitologia grega, encontramos muitas explicações interessantes, e fui lá . Além, de Chronos, que hoje é meu patrão, (acho que pode ser o seu também leitor), existe o tempo oposto a ele, o tempo de Kairós. Parece que o sistema vigente atual, pensamentos e propostas de vida, não nos permitem desfrutá-lo, como se esse tempo fosse um ócio rechaçado pela humanidade em geral.Mas não é. A medição de Kairós é qualitativa, e não quantitativa. Isto é, um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência no momento oportuno.

Kairós era descrito como rápido, andava nu e tinha somente um cacho de cabelos na testa. E só era possível agarrá-lo segurando-o por esse topete. Se não fosse assim, seria impossível segurá-lo, bem como trazê-lo de volta.” O instante em que se consegue afastar o caos e abraçar a felicidade”.

Por essa explicação deduzo que naquele trânsito congestionado da Marginal Tietê não havia felicidade. Ou havia?

Se o motorista de algum carro conseguisse estar na caixa do vazio... sim estaria naquele momento a sós com ele mesmo, e muito longe da muvuca ali instalada. Mas podemos dizer que estava sendo inútil? Por que não aprender inglês enquanto fica parado no trânsito? Uma pessoa na caixa do vazio !!

A verdade é que não temos a necessidade de mostrar utilidade o tempo todo, mas a cobrança de que tempo é dinheiro, e outras do gênero, apontam para uma conduta frenética de uma corrida insana atrás de algo que nos recompense de alguma forma, mesmo que seja um elogio, para aplacar a carência de afeto, muito além de dinheiro. Enquanto isso perdemos o tempo para agarrar o cacho de Kairós, a qualidade da vida.

Muitas pessoas acreditam que na velhice terão bastante tempo, tempo de não fazer, mas esquecem que a qualidade da vida no longevo é mais importante do que a quantidade dos anos vividos e quase sempre foi determinada pela falta de Kairós, arrastando doenças crônicas, mau humor e pensamentos inflexíveis.

Guardar um tempo para si muitas vezes pode significar criar a caixa do vazio, e aqui vai uma sujestão para as mulheres que estão sempre plugadas com alta voltagem. Dessa maneira entenderão onde o homem está quando ela fala e ele não escuta.

Podemos aceitar nossa inutilidade como nosso tempo especial, propiciando assim a oportunidade a outro de ser útil. Correr menos para ficar mais em algum lugar que não é o passado e nem o futuro. Ele sera eleito como o hoje, e o melhor instante no presente. Abrace Kairós e abraçará a felicidade.


Matéria publicada no jornal em Agosto/2016.





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