top of page

LAÇOS DO CORAÇÃO



Eu não vivo sem você porque tudo que eu andei procurando pela vida agora eu sei...que em algum lugar te encontraria, pois você já era meu e eu sabia” ( Roberto e Erasmo Carlos)


Já lhe passou pela cabeça a ideia de adotar? Um bichinho de estimação, um sobrinho ou neto que aparenta maus cuidados, uma amiga querida doente incurável, a criança que pede esmolas no farol, ou outras situações que compadecem, despertando o desejo de apadrinhá-las? E já se perguntou se é capaz de amar algo ou alguém que não necessariamente tenha sido gerado por você? É que por que certas situações de vida nos despertam compaixão, piedade. Nessas horas é preciso lidar com a própria impotência do- não poder fazer algo- para aplacar o sofrimento que o” sofrimento dos outros” nos causa.

E o que falar de tantas crianças nos abrigos esperando uma chance de vida normal, num lar... Também sabemos da enorme espera na fila da adoção por conta de protocolos e burocracias mil. Tudo, alegado, é no intuito de uma madura preparação dos pretendentes a pais que são submetidos a longa espera, bem como ansiedade causada pela demora desses trâmites. Eles anseiam um lar com filhos, uma casa com vida com a alegria esparramada da criança feliz

.Parece que são investigados : o desejo de ser pai que precisa ser a motivação fundamental; bem como a importância que se deve dar aos vínculos afetivos e às afinidades que surgirão, independente dos laços consanguíneos.

No Brasil a adoção tem suas crenças, bem como valores e padrões de comportamento que foram construídos historicamente. Há uma cultura da adoção, que tem seu início nos hospitais, as Santas Casas, onde a criança rejeitada era colocada num compartimento que podia ser rodado de fora para dentro, deixando o bebê dentro do hospital. E as freiras, por caridade, acolhiam e o destinavam às famílias.

Na adoção, aliás, em qualquer adoção - isso inclui o filho consanguíneo também - a adaptação do filho depende de uma atitude de aceitação dos novos pais, numa boa relação que, sem idealizar, possa produzir bons vínculos. Relações adequadas necessitam levar carinho e cuidados ao recém chegado.

Aqui está um ponto que gostaria de refletir, leitor, porque percebo indecisões em muitas pessoas que gostariam, porém temem adotar, afirmando não conhecer o passado genético, e por acreditar que muitos dos casos de adoção são envolvidos por vários problemas emocionais conflituosos e desgastantes para a família. Podemos pensar em outra variável nesse processo, igualmente importante, e as vezes relegada.

De fato, uma criança que está para adoção já sofreu uma rejeição, como também sentiu o abandono. Se você questionar que recém nascido não tem sentimentos, digo-lhe para se informar melhor, pois a questão é que já somos o que somos – uma pessoa – a partir da concepção (motivo pelo qual o aborto é considerado crime). Só não está pronto para re-agir, mas está pronto para sentir. Ao nascer, inteligente e emocionado, percebe-se desamparado, porque deixa de ouvir os sons e o funcionamento do corpo da mãe agora distante para sempre. Terá de se adaptar a um novo barulho corporal, e se na mãe biológica estar deitada em seu peito ouvindo bater-lhe o coração acalma e tranquiliza, terá de se adaptar a um coração diferente e desconhecido. Isso demanda sofrimento até ocorrer um ajuste. Mas essa sensação ficará registrada. E quando já puder reagir, vai rejeitar também, e serão seus alvos as pessoas que a rejeitaram – que será projetado agora na figura dos” novos pais”. Isso será interpretado como insubordinação.

Deve-se complementar esse assunto com dois fatos : nem sempre os pais biológicos adotam seus filhos, ou as vezes não adotam um e adotam os demais. E filhos naturais também poderão em algum momento do desenvolvimento, apresentar insubordinação ou rebeldia, porém as estatísticas mostram que os adotados são número maior.

Quero aqui discutir outro aspecto. Refere-se ao primeiro encontro entre o adotado e os adotandos. A história que se inicia no primeiro minuto da relação entre eles.

Vamos fazer um comparativo para entender melhor como é quando nasce um filho biológico. No primeiro encontro ao colo, o olhar dos pais para a criança é de alegria, puro prazer, o amor narcísico está procurando semelhanças com o casal, e ficam balbuciando planos para o futuro.

Nos bebês adotados, pode ser, que alguns pais ao segurar e olhar para a criança se compadeçam e penalizem, e como citamos no início, sintam compaixão e piedade, lançando naquele momento um olhar de acolhimento sim, mas a um “coitadinho”de pouca sorte que foi abandonado. Vimos acima que isso é muito nosso, e bastante possível de acontecer. E daí para a frente sempre será uma relação dos pais com o filho que já sofreu o suficiente. Então não procuram semelhanças narcisistas, e a alegria de estar com o adotado fica conturbada pelo sentimento de dor, que agora é dos pais. E o amarão muito, satisfarão suas necessidades e desejos, e serão “brandos” o suficiente para que não sofra mais e, de retorno, também recebam amor do filho. Essa linha de educação pode sim, criar vínculos amorosos, mas como consequência, também conduzir á a um afrouxamento no cumprimento das regras, deveres, e ordens por parte dos pais , produzindo falta de limites. Isso levará não só ao adotado, mas qualquer criança, à insubordinação e indisciplina. Junte-se a isso o fato de uma possível re-ação por conta do abandono, gerando questões emocionais significativas numa criança que será rotulada de “problema”.

E quando isso acontecer, com certeza esses pais se perguntarão por que adotamos? Se não houve identificação narcísica, isto é -nada aqui se parece comigo- os problemas da criança, com certeza serão jogados para fora daquele lar como culpa do D.N.A. Só que não.

Olhar para qualquer criança como bem aventurada, e com expectativas positivas e grandiosas para o futuro, trará um futuro tal e qual. O pensamento tem força e a palavra tem poder. As suas atitudes educacionais dependem disso, para o filho, da barriga ou do coração.

Quem sabe agora você pensa melhor nos seus sentimentos em relação a adoção.

Matéria publicada no jornal dia 10/11/16.











Recent Posts
Archive
Search By Tags
bottom of page