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NEGAÇÃO


No artigo anterior falamos daquela “conversa interna” que todos travamos, e de alguns conflitos gerados por conta disso. E dissemos também que esses conflitos as vezes podem se transformar em verdadeiras guerras internas, porém temos algumas proteções para melhorar o nível da ansiedade que essa situação pode gerar. Essas proteções são denominadas Mecanismos de Defesa , isto é, processos psíquicos inconscientes que aliviam o EU ( a noção de ser quem somos), do medo de deixar de existir e passar a ser novamente puro instinto (aquela criança dos desejos que inicialmente fomos), perdendo a identidade (nosso conjunto de caracteres psíquicos). E também dissemos que o processo ocorre na medida em que esse EU se apresenta frágil e quanto mais frágil, mais defesas necessitamos. Ouça essa história.

“-Seu Maneco, o Senhor está aqui novamente por que?

-Porque minha filha e minha mulher são duas loucas e ficam me acusando de que eu bebo, mas é mentira.

-Mas elas o trouxeram aqui porque o Senhor bebe, não é mesmo?

-Sim, mas só uns aperivos que não chegam a três, de abre- apetite, porque não sinto fome.

-Parece que o Senhor está na cadeira de rodas por conta de beber muito, duas garrafas ao dia, e não se alimentar, concorda?

-Elas são exageradas, eu não bebo, e me alimento sim. Não sei por que estou sem andar, acho que são as varizes.”

Com o exemplo acima fica melhor para entender que os mecanismos de defesa são parte da nossa vida cotidiana. É necessário confessar que todos nós em algum momento nos envolvemos em auto-engano, mesmo que por pouco tempo. O problema é que nós não sabemos que estamos usando esses tipo de mecanismos. Não os escolhemos conscientemente. Aparece como defesa que pode ser muito forte caso o Eu da pessoa seja muito frágil , ou mais fraco se o Eu for mais estruturado. Os “iluminados” em tese não deveriam necessitar defesas.

O interessante é que eles não estão só a serviço de uma proteção inconsciente para impedir a conecção com os desejos instintivos vorazes. É muito mais importante que isso, pois também irão nos proteger da ansiedade que sentimos quando necessitamos enfrentar nossas fraquezas e dificuldades.

Então no caso do Seu Maneco, o Mecanismo de Defesa de Negação faz com que ele não reconheça a possibilidade de sua verdade - o descontrole com o álcool - e ao mesmo tempo atua para que ele aguente o seu nível de ansiedade em relação à dificuldade que é enfrentar a realidade do dia a dia, como ele a vê. Embora para uns a mesma realidade seja suportável, para ele é insuportável devido a sua fragilidade interna. Então Maneco se recusa a aceitar a realidade desse fato ou de outras experiências.

As pessoas tem como deflagrar o Mecanismo de Defesa de Negação para qualquer outra situação que não queira ver. Basta querer ficar longe da sua verdade, ele vem em seu auxílio sem que saiba, e a faz acreditar que está no controle, sem entender que é jogador compulsivo, ou que abusa de drogas e outros.

Qualquer situação real que você nega simplesmente dizendo não, já está na atuação do Mecanismo de Defesa de Negação.

Mas tem vezes em que ele é muito bem vindo, pois costuma ser deflagrado em situações de perigos, vivência de traumas , onde ele atuará como protetor benéfico nessas ocasiões. Por exemplo, quando falece uma pessoa muito próxima, ele atua transformando a realidade como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta, e a pessoa vê e participa de tudo como se não fosse com ela. Depois de algum tempo, aos poucos a verdade vai se intensificando, e o mecanismo diminui de intensidade até a realidade se fazer inteira . Pode levar até alguns meses para a pessoa começar sentir efetivamente a ausência do parente como algo em definitivo. Há alguns casos onde a negação permanece por anos, transformando em luto crônico e a pessoa precisar de ajuda de um profissional para aceitar a realidade da morte.

Sobre o Mecanismo de Defesa de Negação podemos dizer que é do tipo “genérico”, porque aparece por detrás de muitos dos outros mecanismos. Podemos desenvolver mais de um ao mesmo tempo.

Depois da nossa reflexão, o leitor poderia fazer uma autoanálise sobre as situações que nega. Por exemplo, como você interpretaria frases do tipo:

“-Eu sou apenas um fumante social.”?

Matéria Publicada no jornal em junho/2017.


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