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QUE BIRRENTO


Nenê não para de chorar, o pai dirigindo o carro demonstra desconforto, a mãe se angustia, e a avó, ao perceber as emoções interfere: - “Não se preocupem, ele chorará um pouquinho, mas depois se distrairá com outra coisa. Bebe é assim mesmo, ele só tem um aninho”.

Mas o pai está visivelmente muito nervoso com o choro, e a mãe diz:

”- Meu coração está partido, vou retirá-lo do cadeirão de segurança e levá-lo ao colo.”

Antes que a avó reargumentasse, a mãe já pulara para o banco de trás, entre ela e o cadeirão e Nenê estava no local tão desejado e aconchegante, sob os afagos e beijinhos da mãe.

Quatro anos se passaram e Nenê, agora com cinco aninhos foi rolulado com criança de “gênio muito forte”, birrento ao extremo, e os pais não sabem mais o que fazer pois a insistência dele quando quer algo é anormal, passando mais de hora com gritarias, bate pés e malcriações, até conseguir o objeto desejado. Nem pensam em ir ao shopping da cidade porque ele se joga no chão e grita sem parar.

O que aconteceu? Um dia Nenê se comportará mais adequadamente?

Vivemos nuns tempos interessantes, onde temos necessidades supérfluas, inventadas por nós que acreditamos que são fundamentais.

Por exemplo, cultuamos a idéia de ter prazer sempre e a todo custo. E também a idéia de que devemos fazer aos filhos o que não fizeram conosco, e dar a eles o que não recebemos. Outro fato interessante é que antes, as crianças seguiam o curso de vida dos pais, indo aos eventos de família, aos acontecimentos do bairro, e festas em geral. Hoje os pais seguem o calendário de eventos dos filhos, não podem ir aos eventos adultos porque os filhos tem aniversário de amiguinhos, os filhos precisam ir na casa de alguém para a noite do pijama, ou merecem ir comer hamburguer porque comportou-se bem no dentista, e assim segue.

Vejo também pais muito angustiados com a dúvida :” Como saber se sou bom o suficiente para meu filho me amar?”

Voltando ao nosso exemplo, temos um casal de ansiosos, e provavelmente com dificuldade em lidar com suas frustrações, e exacerbam a frustração de Nenê. O pai é menos tolerante, a mãe engancha rapidinho na angústia do pai, e tudo se parece como se aquela dor sentida por não estar no colo da mãe, fosse a pior coisa a sentir, então o livram. Mesmo que para isso tenham de infringir a lei de trânsito,de toda criança viajar no cadeirão, inclusive pondo a vida dela em risco. Como se o choro fosse algo de outro mundo, um castigo, ruim que deve ser banido da história de Nenê. Como assim, o Nenê chorando? Nunca!

Com essa atitude esquecemos que:

- Viver é no mínimo estar fortalecido para poder enfrentar os problemas que surgirão no decorrer da existência.

- É dizer que frustrações podem ser controladas pelos pais o tempo todo.

- É acreditar que seus desejos são ilimitados, e que ele conseguirá tudo o que quiser.

Claro que Nenê sofrerá e muito, mas exatamente por estar sendo poupado desde a tenra infância em lidar com as frustrações. “Tolerância zero” é o que ele tem hoje. Nada de gênio forte.

Para que Nenê venha a ter um comportamento mais estável os pais terão um longo caminho, pois a birra está instalada e ficará mais forte ou fraca dependendo da atuação deles. Podemos entender que precisarão auto- conhecimento, para interferir com inteligência nas birras do filho.

Mas leitor, você conhece algum adulto birrento?

Não é história, mas sei de um adulto de mais de cinquenta anos que quando frustrado, fez birra indo dormir na lavanderia da casa, deitando no chão e cobrindo-se com panos de limpeza. Você tem algum exemplo de conduta estranha que possa encaixar aqui, com certeza.

Quanto a Nenê, poderá ficar bem melhor, mas sem nenhuma birra, dependerá mais dele mesmo, na fase adulta, quando poderá haver interesse pelo comportamento humano e ele se perguntar “por que”?

Matéria Publicada no jornal em Outubro de 2017.

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