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AMPLIANDO A CAPACIDADE DE ESCUTA



"Não aguentava mais ouvi-la falar sobre suas discussões com o marido! Cansei!”...

Para a maioria de nós é mais fácil falar das nossas angústias do que ouvir a de outras pessoas. Os psicólogos e psiquiatras não podem engrossar essa fileira, nossa função primordial entre outras é ouvir porque esse é o início de tudo – a confissão.

Sempre me perguntam como eu “aguento” ouvir tanto. E se disser que “adoro ouvir” pode parecer estranho, mas na psicologia detemos uma técnica que, no meu caso, também pressupõe uma memória que precisa ser de excelência (não escrevo os casos); e mesmo que vinte anos sejam passados, ao ver aquela pessoa no meu “setting” de trabalho, imediatamente meu cérebro faz o “download” do filme da vida toda dela. É fantástico e parece que foi ontem o nosso último encontro. As vezes o próprio paciente havia esquecido que me falou alguma coisa, e o espanto mesclado de alegria e risos acaba acompanhando essa conversa.

A escuta aqui referida nada tem a haver com sons altos, que sabemos serem prejudiciais e produtores de surdez precoce em alguns anos.

Mas essa escuta­­­­ é um método científico e maravilhoso para qualquer situação. Com uma escuta de qualidade, teremos uma excelente recordação do fato. Isso porque não há mágica, e sim ciência. O cérebro funciona a partir do despertar para ter a atenção sobre o objeto, após vem o interesse, a concentração para re-conhecer esse objeto, e então vai para a memória de curto prazo ( com a emoção que esse objeto gerou). Enquanto dormimos tudo que nos interessou é passado para as memórias de médio e longo prazo. E quanto mais emoção foi sentida, mais o objeto será lembrado.

A escuta começa a ser percebido durante o século XVIII, quando as formas de saber foram se fragmentando em ciências que acabaram por delimitar os diversos conhecimentos a áreas específicas, o que tornou cada campo detentor de uma forma de fazer sua ciência, utilizando diversos métodos para este fim. Um desses métodos era a escuta. A partir desse momento histórico, ela foi se caracterizando como um conjunto de regras das quais os especialistas deveriam seguir, fazendo dela, algo não mais de domínio do homem, mas de domínio da ciência, nas diversas formas de fazê-la.

Este elemento se mostra como importante à prática psicológica, e Arantes (2010, p. 94) diz que “para escutar é preciso “uma economia dos gestos e palavras, um silêncio ativo e um certo recolhimento”, evidenciando a postura de acolhimento por parte do psicólogo para com as reais necessidades do outro. Desta escuta deriva-se a análise para as intervenções necessárias. Fazendo deste instrumento não só uma forma de leitura das falas, mas dos comportamentos, do local de onde partem as demandas e de todos os elementos que estão à sua volta.

Não só na psicologia, mas em todas as atividades, ouvir é fundamental. Não se educa um filho sem ouví-lo para saber quais suas razões,o que ele sente e como pensa; não se conquista uma pessoa sem saber do que ela gosta; não se vende uma idéia ou um produto sem saber as reais necessidades do comprador, e assim vai. Então o silêncio faz-se necessário para uma excelente escuta, e se não for estabelecido, corre-se o risco de falar aos ouvidos moucos, falando o que não interessa. A escuta foi tomando proporções cada vez maiores, e no catolicismo entrou como escuta confessional no século VII.,

Mas é bem mais remoto a arte de escutar do que possamos pensar nos dias atuais, como no caso dos escritos de Sakyamuni (Budha) sobre o Sutra de Lótus,( 1000 anos a.c.), onde o fato de ouvir já tinha um profundo significado e isso é enfatizado em todo esse escrito, por isso é de grande relevância até hoje.

Mas devemos colocar atenção no que estamos fazendo. Ao dirigir-se aos jovens de sua organização BSGI, o presidente Daisaku Ikeda (filósofo budista) sugere o diálogo com significado para o espírito humano, com encontros onde se possa compartilhar experiências e sonhos com pessosas de diferentes idades e vivências, e afirma ainda que “Diálogo se faz tanto com valor do silêncio quanto o valor das palavras

Percebe-se, então que a escuta é algo que pode sim, ser desenvolvida e ampliada. E que está intimamente ligada ao fato de se “aguentar” ficar em silêncio. Prestar total atenção é estar no aqui e no agora sem deixar a atenção fugir para nossa atuação no caso, mesmo que o assunto não seja o de sua preferência, sem elocubrar as nossas soluções para o problema, ou as atitudes que poderíamos tomar. Guardar a ansiedade se faz necessário, e esquecer seus problemas naquele momento. Só quem ouve realmente, poderá entender e acalmar o locutor.

Porém quero com esse texto também chamar a atenção para o que nitidamente estamos percebendo nos dias atuais, pois criamos muitos canais de comunicação, e neles falamos muito, escrevemos qualquer coisa que nos pareça interessante, e lamentavelmente, ouvimos cada vez menos, principalmente os mais jovens que estão ainda mais próximos dessas novas tecnologias. E as crianças “pensam” bastante quando estão nos jogos virtuais, mas se exercitam bem menos, tanto fisicamente, como socialmente. Na hora do “discurso interacional” pode haver tédio, pois não é tão interessante “ouvir” ou “falar com o outro.

Esses canais de comunicação virtual podem conectá-los a milhões de pessoas, em quantidades absurdas de afirmações e confirmações sobre todos os assuntos possíveis. Isso provoca uma idéia de que temos respostas para tudo o que acontece no universo.

A sujestão é nosso empenho cada vez maior na nossa capacidade de ouvir sem abrir mão de nos expressarmos; e expandir nossos horizontes com as experiências e opiniões dos outros, concordando ou não..

“Nosso coração do diálogo tem armazenamento e não nos cobra preço por gigabytes excedentes. Vamos utilizar esse espaço para preencher com cada vez mais conhecimento e curiosidade de aprender no diálogo cada vez mais!” (Daisaku Ikeda)



MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL 10/02/2108.


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