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ÉDIPO E O COMPLEXO PODE MATAR?



O trágico é que a psicologia não conta com uma matemática autoconsciente à sua disposição, mas apenas com um cálculo dos preconceitos subjetivos.” (C.G.Jung)


Reis de Tebas, Jocasta e Laio são assim descritos por Sófocles numa cena dramática: O oráculo profetizara a morte de Laio por seu filho Édipo (ainda não nascido),e que quando adulto, amaria a própria mãe, Jocasta.O menino ao nascer foi então abandonado em terras bem distantes, recolhido e criado por um camponês que nada sabia sobre suas origens reais. O tempo passou e o menino adulto, certo dia, desentendeu-se com um viajante e matou-o. Era Laio. E para fugir do seu crime , Édipo foi de Corinto onde vivia, para Tebas. E lá responde inteligentemente e acertadamente à misteriosa pergunta da esfinge, até então, insolúvel e irrespondida. Os tebanos o coroaram rei, e Édipo casa-se com Jocasta, ambos ignorantes do seu parentesco, E quando o oráculo revela a verdade, Édipo desesperado cega os próprios olhos como castigo pela morte do pai e o casamento incestuoso.

E segundo Dr. Sigmund Freud, essa história procura demonstrar um conflito que também se desenrola durante a segunda infância ( 3 a 6 anos). A criança vai passar por um “contexto afetivo” contraditório. Ao mesmo tempo em que ama, ela odeia, com a mesma força, o que lhe causa uma violenta “tortura”.

Segundo Marlene Rodrigues, (no livro -Psicologia Educacional), o conflito ocorre quando o menino ama sua mãe além da dependência que tem dela, de seus afetos e cuidados. Ele a ama com o desejo de posse, um desejo egoísta e exclusivista. E nesse contexto tem o pai, com o qual ele se identifica profundamente, mas cuja existência priva-o da desejada” posse”. E no inconsciente da criança, o pai toma o papel de odioso rival, dono da sua mãe, mais forte do que ele, com maiores privilégio, gozando de vantagens e direitos que ele não tem. É um sentimento contraditório entre amor e ódio que o menino vive em relação ao pai, mas que é absolutamente natural. E se a mãe adotar atitudes que reforcem a progressiva independência do menino, bem como introduzir a figura paterna como homem, chefe de família, bom profissional, amigo e companheiro, a criança deixará de vê-lo como rival e passará da ambivalência afetiva para a identificação com os papéis desempenhados pelo pai. Identificado com ele em termos positivos, o triângulo amoroso tende a desaparecer sem deixar marcas.

Porém se o comportamento da mãe for o de deseducar reforçando a dependência da criança e se adotar a desvalorização do pai diante dela, o conflito persistirá; não havendo identificação com a figura paterna usará dela - a mãe - para, simbolicamente, possuí-la (mães escravas). Podem também “desvalorizar”, o comportamento masculino assumindo papéis pouco masculinos e imitar a mãe.

O mesmo drama é chamado de “complexo de Eletra” quando for menina. Apaixonada pelo pai a menina ama e odeia sua mãe. Para ela no entanto é mais fácil a identificação positiva com a mãe porque está o tempo todo com ela, sendo menor o tempo que o pai normalmente dedica ao seu filho.

Se antes dos três anos, as imagens do pai e da mãe estavam fortemente interiorizadas pela criança, e elas eram aquilo que a criança desejava ser e não o que ela queria ter, de três a cinco anos, na fase genital de evolução da sua sexualidade, a criança sabe do seu corpo, conquistou-o inteiramente e já aprendeu o seu lugar no espaço em relação com os outros. Ela sabe que é homem ou mulher, compara-se com as outras crianças e define seu papel, o que a obriga a uma escolha: a da eleição do seu comportamento sexual. Normalmente a menina escolhe a mãe e o menino escolhe o pai, e logo se vêem envolvidos numa imensa ansiedade que é causada por essa fase da trilogia amorosa.

Só resta realçar que nessa fase pode haver caso de fixação neurótica, o conflito não se resolverá, e aparecerá mais tarde,quando nas relações amorosas, com a insatisfação em relação aos companheiros/ companheiras, pois esse/essa não reúne as qualidades por ele/ ela desejadas. Poderíamos voltar os olhos à essa fase de desenvolvimento dos infantes para pensar qual tipo de “neurose” estão se estabelecendo nos meninos para encontrarmos um número tão crescente de feminicídio, onde a maioria é cometida por maridos e namorados, que sempre tem uma justificativa para matar e ainda culpando a vítima; e segundo a ONU envolvem o sentimento de posse. Em 2003 eram 3.937 ao ano, e em 2016 morre uma mulher a cada 2 horas no Brasil, nos levando ao ranking mundial de 5º lugar de feminicídio ainda segundo as pesquisas da ONU. Algo acontecendo? Neurose brava se instalando, porém despercebidamente, e se manifestando em tragédias. Para refletir.

MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL EM JULHO/2019


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