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O BODE EXPIATÓRIO E O OURO


José chega ao consultório para fazer a grande viagem interior, o autoconhecimento. Cursando o terceiro ano de psicologia está animado, percebe-se ansiedade e resumidamente conta sua história:

Desde tenra infância lembra que sabia de todos os problemas relacionais entre os pais, desabafavam em seus ouvidinhos. Fazem isso ainda hoje, só que ele adulto maturo, ouve imparcialmente e ambos se irritam por ele não ser partidário. Sempre ouviu muitos desaforos, xingamentos, apelidado de gordo e balofo. Certa vez sua mãe o queimou com a brasa do cigarro. Várias vezes seus pais o acusavam de ser a causa da desgraça e discórdia familiar. E não podia comentar sobre as situações da escola e do trabalho, não gostavam de ouvir lamúrias. Achavam que não prosperaria e sua vida seria medíocre. Então perguntei: - Tem irmãos?

Sim Artur, irmão mais novo que mimaram, podia tudo. Há pouco tempo atrás Artur cometeu infração grave. Preso, os pais venderam o carro para libertá-lo. Era danado, mas é seu querido, muito inteligente, sagaz, esperto. E os pais acreditavam no potencial dele. Moço alto e bonito, ambicioso e que logo seria homem rico, segundo os pais. José parecia amoroso, pacífico, caseiro. Seu coração o direcionava as boas ações, ajudava na distribuição de alimentos na comunidade ali perto. Paga a faculdade trabalhando num Call Center. Alega demorar a mais nas entregas por ser perfeccionista. Nessa altura de conversa honesta José deixa claro que é o filho “bode expiatório” e seu irmão é o filho “ouro”. Foram capazes de adoecer nesses papéis por serem filhos de pais narcisistas.

Narcisismo é um de dez distúrbios de comportamento, e diz respeito àquelas pessoas que não veem o outro, só se veem.

. Acusam o filho de não os entenderem.

. Compartilham problemas antes da hora acreditando que são amigos dos filhos, (mas filhos são os merecedores de proteção e zelo e precisam de ajuda ainda, estão aprendendo a lidar com sentimentos como raiva e frustrações).

. Promovem abusos: psicológico, emocional, físico, sexual. Induz o filho acreditar que merece ser mal tratado. E qualquer que seja o acontecimento, a culpa é dele.

. O utilizam como depositário por ser o mais generoso e bondoso. É o filho melhor. Funciona como espelho reverso deles, o narcisista tem um vazio existencial, que esse filho não tem porque “ele é,” mostra-se verdadeiro (os pais usam máscaras). Torna-se a criança odiada. Leva a carga da culpa da família.

.As necessidades dos filhos não são importantes, bem como não tem direitos. Quando adultos acreditarão que não são bons, pois não são bem vistos pelos pais, o que pode gerar filho perfeccionista.

. Os pais narcisistas irão beber jogar, se drogarem, e culparão os filhos por isso. Colocam a culpa das frustrações deles nos filhos.

.Estão preocupados em ter e não em ser.

Outro tipo de filho que esse casal pode gerar é o ouro, onde depositam as expectativas. Esse é o provedor da loucura dos pais. Protegido demais pelos pais, mas não por preocupações com ele, e sim porque eles sabem que precisam de alguém para protegê-los no futuro. Ele esconde as frustrações dos pais por refletir a imagem que os pais desejam ver.

Transtorno de personalidade narcísica: A fase narcísica corresponde a um período na vida infantil a partir dos quatro anos, mas vai diminuindo entre doze e quatorze anos. Algumas pessoas param na fase genital, antes da puberdade, gerando o distúrbio. Amor próprio é necessário, e saudável, porém passa a ser um problema quando há um exagero na autoadmiração, tanto para o que sente quanto para quem convive com ele. Sofre em se sentir importante e a oposta imposição da vida de se adaptar à realidade. Então sente um vazio existencial que o consome, e age de maneira a pensar só em si mesmo. Mas não se conhece, não vê o lado de fora, os outros; então não se vê de verdade (É através do outro que eu me reconheço). Insiste em se preocupar só consigo mesmo na fase adulta, não se livra do sentimento de inferioridade e depressão. Segundo Glenn Gabbard 1998, “o narcisista parece ter uma pele a menos e se magoa com extrema facilidade”. Sente inveja dos que amam porque não consegue. É muito sofrimento na família. Sempre buscando o amor nele, mas como adulto o amor tem de ser no outro.

Os filhos? José o bode expiatório se fizer terapia na idade adulta, vai se sair bem sucedido. Normalmente ao se reconhecer e entender o processo em que viveu terá sucesso. É ele que dará assistência aos pais na velhice. O filho ouro poderá repetir a saga dos pais: com características narcisistas e aquele vazio existencial criará filho narcisista no futuro. A solução para José está a caminho, faz psicologia e não é por acaso, procurou terapia. Lembrando que pode ser só mãe ou pai narcisista. Ele tem os dois. Para o irmão o prognóstico não é tão promissor, o narcisista tem bastante resistência para psicoterapia, porque terá de encontrar alguém que considere melhor do que ele. Fica quase impossível devido o distúrbio.

Numa reflexão rápida podemos dizer que hoje estamos vivendo a era narcisista de poder e controle. Não há valores, só validação do que está fora de si. Observações sobre alguma ação menos eficaz as magoam profundamente. Num toque retiram aquele que discordou. São pessoas destruídas e vazias estruturalmente na busca frenética de algo que sempre tem cunho de transitório, as amenidades, deixando bem distante aquilo que realmente tem valor.

Mitologia de Narciso: Filho de Céfeso e Liríope era muito lindo, adulto caçador, não conhecia o próprio rosto, andava sempre só e não se interessava por ninfas e donzelas da época. Eco se apaixona por ele que não a ama. Ela lança então uma maldição por vingança: o primeiro rosto que ele vir se apaixonará perdidamente. Numa emboscada o leva até o rio e quando ele vê sua imagem refletida nas águas, imediatamente se apaixona. Sofre muito por não poder viver esse amor. Na tentativa de alcançar seu reflexo morre afogado.

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